O desafio do acesso à internet Imagem: mstandret, de envatoelements

O desafio do acesso à internet

Na semana que passou, o jornal O Globo trouxe uma matéria sobre a dificuldade dos alunos da rede pública em acessar à internet.  A pandemia que vivenciamos ressaltou as inúmeras desigualdades existentes na sociedade brasileira, uma delas é a educação.  Até o ensino médio, a diferença entre as escolas públicas e privadas, em geral, é enorme.

Neste momento de pandemia, as escolas adotaram o ensino à distância de forma emergencial. A notícia citada acima traz a discussão sobre a necessidade de pagamento da internet, para que os alunos de escolas públicas possam acompanhar as aulas virtuais.  A conclusão é óbvia, na falta de uma política pública para custear o acesso dos estudantes da rede pública, os alunos precisam pagar pelo serviço.

Neste caso é importante debatermos o óbvio, pois por ser intuitivo podemos acabar passando sem perceber pelas sutilezas de questões importantíssimas.

Uma característica dos serviços de telecomunicações que pode mascarar sua importância para integração e o desenvolvimento nacional é que são atividades meio e não fim.

Ou seja, redes de telecomunicações são construídas para ligar o usuário A com o usuário B, distribuir conteúdo para vários receptores ou permitir que um usuário acesse diversos conteúdos. Da mesma forma que uma estrada que leve do nada a lugar nenhum não tem serventia, uma rede de telecomunicações sem usuários também não tem utilidade.

Contudo, o raciocínio contrário também é válido.  Assim, um conteúdo audiovisual, por exemplo, que não pode ser assistido ou um produto que não pode ser comercializado, também não tem valor.

Portanto, as políticas públicas para o setor de telecomunicações deveriam estar entrelaçadas com diversas outras políticas públicas, como saúde, cultura e educação.

Parece evidente que se os formuladores de políticas públicas finalísticas planejarem como os serviços de saúde, segurança e educação, por exemplo, serão entregues a um número maior de contribuintes, assim como os formuladores de políticas públicas para os serviços de telecomunicações agregarem uma finalidade na expansão das redes teremos uma economia de escopo.  O planejamento conjunto pode levar a um ciclo virtuoso.

Exemplificando, se toda vez que for planejado uma unidade de pronto atendimento, uma escola ou um equipamento cultural, for lembrado que é necessário conectar aquele equipamento público a rede mundial de computadores teremos uma convergência de interesses que deverá entregar um serviço público melhor ao cidadão.

Retomando a discussão sobre o ensino à distância como exemplo, parece nítido que apenas a formulação e formatação de conteúdo para os alunos é insuficiente.  Uma parte indissociável o planejamento para as aulas virtuais, em especial para a rede pública, é como o conteúdo será acessado pelos alunos.

Se os alunos da rede privada encontram dificuldades com equipamentos para acessar as aulas, uma vez que muitos computadores e tablets são divididos pela família, o acesso à internet não costuma ser um problema.  De toda sorte, esse problema não é da escola particular.

O mesmo não podemos afirmar para a rede pública. Como é um dever do Estado promover e incentivar a educação, conforme artigo 205 da Constituição Federal de 1988, em tempos de isolamento social, os governos devem planejar como as estudantes acessarão o conteúdo disponível na internet.

Alguns estados resolveram adotar a transmissão de aulas pela rede de televisão aberta, uma alternativa, porém, neste caso não é possível ter interatividade.

Outros estados, passaram a disponibilizar conteúdo na internet, mas, segundo o levantamento do jornal O Globo, apenas cinco dos 17 estados, que responderam aos questionamentos do jornal, financiam o acesso à internet aos alunos da rede pública.

Após a privatização da Telebrás, ainda no ano de 2000, o Estado brasileiro instituiu o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação, o FUST (Lei nº 9.998/00), com objetivo de expandir as redes de telecomunicações.

Apesar do objetivo meritório e de uma arrecadação pujante, pois todas as empresa que prestam serviços de telecomunicações devem recolher 1% da receita para o fundo, o que nos leva a uma arrecadação, em valores nominais, de algo em torno de R$ 22 bilhões de reais, de 2000 até hoje, o FUST não é utilizado.

O principal problema é que quando criado, o serviço que precisava ser expandido era o telefone fixo, que tem a limitação de velocidade para conexão à internet.  Outro problema, é que apenas as concessionárias daquele serviço é que poderiam ter acesso aos recursos do fundo.  Em síntese: nunca funcionou. Ou melhor, apenas a arrecadação funcionou.

Na visão deste autor, independentemente das causas para a não utilização dos recursos do fundo, uma questão é certa: é necessário mudar a legislação para adequá-la aos avanços tecnológicos dos últimos 20 anos.

Não foi por falta de iniciativa legislativa. Em levantamento de 2019, eram 19 projetos tramitando, apenas na Câmara dos Deputados.

Mas a concepção do FUST e a grande das propostas de alteração apresentadas eram voltadas para o financiamento da construção das redes de telecomunicações, da expansão do serviço. Parece lógico, mas quando pensamos que os serviços de telecomunicações não são um fim em si mesmo, a destinação de recursos públicos para a expansão de redes de telecomunicações privadas pode não parecer tão atraente.

Recentemente, tivemos duas iniciativas no Senado Federal que apresentam uma lógica um pouco diferente. Tanto o projeto de lei 2388/2020, de autoria da Senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), quanto o projeto de lei 2775/2020, de autoria do Senador Dário Berger (MDB-SC) propõem a utilização dos recursos do fundo para pagamento dos serviços de telecomunicações, em razão da pandemia do covid19.

Podemos extrapolar a ideia para o período pós-pandemia. Utilizar os recursos do FUST para financiar a contratação de banda larga (fixa ou móvel) para estudantes que não disponham de recursos familiares para contratar um acesso à internet pode ser um argumento mais sedutor do que financiar a expansão da rede via empresas.

Se conjugarmos isso com a contratação para unidades de saúde, segurança, cultura e educação, com contrato de três a cinco anos, pode-se garantir uma demanda que estimule a expansão do serviço.

Em um modelo de leilão, onde a empresa vencedora seria a que oferecesse o preço mais baixo pelo conjunto de serviços demandados pelo município, podemos ter uma solução para estimular a competição para expandir as redes de telecomunicações.

Se parece utópico utilizar os cerca de R$ 22 bilhões de reais arrecadados até hoje pelo FUST, é preciso lembrar que cerca da R$ 1 bilhão é arrecadado todo ano.  Este recurso é pago pelos usuários dos serviços de telecomunicações e pode, ou melhor deve, ser utilizado para incluir outros brasileiros com menos recursos financeiros, para que estes também tenham acesso aos benefícios oferecidos pelo acesso à internet.

Fonte: Congresso em Foco, escrita por Thiago Botelho

Kero Telecom

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