A economia é cíclica. A dicotomia entre público e privado avança ou recua em consonância com a conjuntura social e ciclos econômicos.
A história das telecomunicações no Brasil é um bom exemplo disso. O telefone chegou ao Brasil pelo entusiasmo do Imperador Dom Pedro II, que concedeu a Outorga para a exploração do primeiro serviço de telefonia. A Companhia Telefônica do Brasil foi fundada em 1880, em Boston (EUA).
Em 1956, a empresa foi nacionalizada. Telerj e Telesp foram sucessoras da Companhia Telefônica Brasileira que fizeram parte do sistema Telebras, que foi o clímax do controle estatal sobre o setor.
A partir de 1995, com a Emenda Constitucional nº 5, Lei mínima e a privatização do sistema Telebras, a iniciativa privada retorna como principal investidor do setor.
Na visão deste articulista, a abertura ao capital privado e a organização do setor realizada pela Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/1997) foram os principais gatilhos para a vigorosa expansão do setor, com as profundas alterações que vivenciamos até hoje.
Porém, já se passaram mais de 20 anos daqueles marcos históricos, uma verdadeira eternidade em um setor tão dinâmico em termos de tecnologia e relacionamento entre seus participantes. O modelo está se exaurindo e até a moderna LGT precisa ser atualizada.
Por outro lado, temos um Congresso reformista. Após anos de debate, finalmente foi aprovada a Lei 13.848/2019, que promoveu a maior reforma microeconômica do setor.
Mas dado o avanço da convergência entre conteúdo (audiovisual e serviços de valor adicionado ou OTTs) e os serviços de telecomunicação, assim como a cada vez maior importância estrutural da conectividade para a integração e o desenvolvimento social, a reforma apenas do mercado de telecomunicações, talvez não seja suficiente.
Tudo isso foi ratificado na semana passada (26/10/2020), com a divulgação do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o arcabouço regulatório brasileiro para as áreas de telecomunicações, políticas digitais e radiodifusão.
Em apertada síntese, a OCDE recomendou que o Brasil adote as melhores práticas no setor. A adoção das recomendações é especialmente interessante para os países que pretendem ingressar no seleto grupo, caso do Brasil neste momento.
O relatório recomendou algumas práticas já adotadas no país, como extinguir restrições de propriedades cruzadas entre as empresas participantes dos diversos elos da cadeia do setor, a redução de impostos e estimular o compartilhamento de infraestrutura passiva no setor (postes e dutos).
Porém, o mais interessante foi no aspecto relativo a organização do mercado, ou mercados. A OCDE recomendou um modelo convergente, com as atividades de regulação sobre os setores de telecomunicações, radiodifusão e conteúdo sendo unificadas em uma única Agência Reguladora.
Lembro que o modelo inicialmente pensado para a Anatel era uma Agência Reguladora para os setores de radiodifusão e telecomunicações, mas o governo da época não teve força para avançar com a proposta.
Por outro lado, a regulação de telecomunicações e conteúdo (audiovisual) unificada em um único órgão é comum em outros países do mundo, como Austrália e Reino Unido, por exemplo.
O debate cada vez mais amplo sobre a necessidade de regulação dos conteúdos de internet e a proteção de dados, sugerem que seja um caminho natural integrar essas atividades, caso contrário teremos o risco de diferentes órgãos serem responsáveis por pedaços de uma cadeia de valor, sem conseguir observar o todo.
Lembro, ainda, que há algumas semanas o Ministério das Comunicações anunciou o envio de um projeto de Lei para a Casa Civil com o objetivo de privatizar os Correios e criar a Agência Nacional de Comunicações (Anacom), que incorporaria a atividade de regulação postal.
Talvez seja o caso de o governo aproveitar o Congresso reformista, as recomendações da OCDE e o envio de uma proposta legislativa para propor uma profunda reforma no modelo de regulação setorial, promovendo a regulação convergente.
Teríamos uma Agência Reguladora unificando as funções regulatórias da Anatel, Ancine e Ministério das Comunicações. Este órgão teria competência para outorgar os serviços de radiodifusão e de telecomunicação, sendo responsável por regular os mercados de telecomunicações, radiodifusão, conteúdo e serviços de valor adicionado.
O fortalecimento do marco institucional deixaria o Brasil muito mais preparado para organizar e regular o mercado que caminha cada vez mais rápido para a convergência de serviços e redes.
Fonte: Congresso em Foco, escrita por Thiago Botelho